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quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Tese: A razão é um fato cultural. Assim como vários animais – os mamíferos, por exemplo – extrapolam o instinto de mera sobrevivência e promovem atividades culturais, o homem, por sua vez, ao extrapolar seus instintos inventou a razão. A razão, embora vários filósofos defendam o oposto, não é um órgão que tenha regras determinadas, muito menos regras determinadas a priori. Ela surge em última instância, da convivência social entre os homens, e tem, portanto, na cultura todo seu alicerce.

1ª consequência: Aqueles que julgam que a razão é um órgão com funções e regras determinadas se comportam como se a raça humana não fosse completamente animal. A razão, embora eles não o admitam abertamente, confere o aval para justificar qualquer coisa - isso Camus bem nos alertou -, e serve inclusive para justificar uma pretensa superioridade. Não somos meros animais. Somos animais racionais. Mas o que isso quer de fato dizer? A resposta parece ser sempre metafísica, que é, diga-se de passagem, mais um artifício racional.

1ª observação: A ironia disso tudo é que o animal humano criou um fato cultural que tomou historicamente a forma de razão, mas acha que o próprio fato cultural extrapola sua animalidade. O homem se torna assim, com a ajuda da razão, justificadamente superior aos outros animais. E o pior, não se torna culturalmente superior, mas sim ontologicamente superior. Mas o que é uma ontologia senão uma justificativa racional do mundo? O homem pensa que não é totalmente animal. E esse é o tribunal da razão: o pensamento, o juízo.

2ª consequência: Os partidários da razão fazem constantemente uma ciência que eles chamam de metafísica. Fazem metafísica da razão. Fazem crítica da razão. Alguns chegam ao absurdo de fazer crítica da razão pura, o que é obviamente um gênero mais “refinado” de metafísica. Quais os limites da razão pura? A lógica é regra necessária da razão? Estes são exemplos de suas preocupações. Estas são suas ilusões.

2ª observação: O que é essa faculdade, esse órgão, nomeado de razão? Essa pergunta nunca foi respondida satisfatoriamente, talvez porque tenha nela, a razão, a sua própria origem. A pergunta correta talvez fosse: quando surge a cultura da razão entre os homens?

3ª consequência: A razão, como já disse, é fruto do convívio social, é fruto da cultura. Porém, a crença cega na razão, gera nos homens algo pouco detectável nos outros animais: a insociabilidade aguda, o extremo egoísmo, a capacidade de fundamentar sua própria tolice.

3ª observação: Isso gera problemas angustiantes aos outros animais, humanos ou não, como a fome, a guerra, o sofrimento.

Um comentário:

  1. "Porém, a crença cega na razão, gera nos homens algo pouco detectável nos outros animais: a insociabilidade aguda, o extremo egoísmo, a capacidade de fundamentar sua própria tolice."

    Pego pesado hein!
    Mas, é isso mesmo... A crítica tem que ser pesada para com essa tradição que expropria do indivíduos humanos a sua sensibilidade, sua capacidade de sociabilização, de interação cultural, de reconhecimento do outro, seja esse outro um animal não-humano ou o outro, enquanto natureza. E nesse processo de expropriação a exaltação de uma parte da racionalidade (aquela que é capaz de justificar logicamente suas ações) se transforma na própria totalidade razão e como consequência o animal racional é colocado como superior, ou melhor, predador, dominador, controlador, usurpador...

    Permita-me uma citação:

    "Para uma tradição que tudo sacrifica em nome de uma racionalidade específica coletiva -animale rationale - tais indicativos não são sintomas de grande saúde; antes indicam que a racionalidade exercida provém de outras fontes do que aquelas sugeridas pelo otimismo cínico ou ingênuo - a saber, provém de um impulso original de totalização absoluta do Ser forte em sua solidão [...] E é devido a esse impulso, prototipicamente 'racional' [...] que os atuais impasses da humanidade tornaram-se globais: por um sistema econômico que suga toda a energia da humanidade e a transforma em seu próprio combustível; por uma visão de mundo que fatalmente afogará a terra e a vida com o lixo que produz em nome do progresso, caso seu exercício insano não seja detido"
    - Ricardo Timm de Souza

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