Tese: A razão é um fato
cultural. Assim como vários animais – os mamíferos, por exemplo – extrapolam o
instinto de mera sobrevivência e promovem atividades culturais, o homem, por
sua vez, ao extrapolar seus instintos inventou a razão. A razão, embora vários
filósofos defendam o oposto, não é um órgão que tenha regras determinadas,
muito menos regras determinadas a priori.
Ela surge em última instância, da convivência social entre os homens, e tem,
portanto, na cultura todo seu alicerce.
1ª consequência:
Aqueles que julgam que a razão é um órgão com funções e regras determinadas se
comportam como se a raça humana não fosse completamente animal. A razão, embora
eles não o admitam abertamente, confere o aval para justificar qualquer coisa -
isso Camus bem nos alertou -, e serve inclusive para justificar uma pretensa
superioridade. Não somos meros animais. Somos animais racionais. Mas o que isso
quer de fato dizer? A resposta parece ser sempre metafísica, que é, diga-se de
passagem, mais um artifício racional.
1ª observação: A ironia
disso tudo é que o animal humano criou um fato cultural que tomou
historicamente a forma de razão, mas acha que o próprio fato cultural extrapola
sua animalidade. O homem se torna assim, com a ajuda da razão, justificadamente
superior aos outros animais. E o pior, não se torna culturalmente superior, mas
sim ontologicamente superior. Mas o que é uma ontologia senão uma justificativa
racional do mundo? O homem pensa que não é totalmente animal. E esse é o
tribunal da razão: o pensamento, o juízo.
2ª consequência: Os
partidários da razão fazem constantemente uma ciência que eles chamam de
metafísica. Fazem metafísica da razão. Fazem crítica da razão. Alguns chegam ao
absurdo de fazer crítica da razão pura, o que é obviamente um gênero mais “refinado”
de metafísica. Quais os limites da razão pura? A lógica é regra necessária da
razão? Estes são exemplos de suas preocupações. Estas são suas ilusões.
2ª observação: O que é essa faculdade, esse órgão, nomeado de razão?
Essa pergunta nunca foi respondida satisfatoriamente, talvez porque tenha nela,
a razão, a sua própria origem. A pergunta correta talvez fosse: quando
surge a cultura da razão entre os homens?
3ª consequência: A
razão, como já disse, é fruto do convívio social, é fruto da cultura. Porém, a
crença cega na razão, gera nos homens algo pouco detectável nos outros animais:
a insociabilidade aguda, o extremo egoísmo, a capacidade de fundamentar sua
própria tolice.
3ª observação: Isso
gera problemas angustiantes aos outros animais, humanos ou não, como a fome, a
guerra, o sofrimento.
"Porém, a crença cega na razão, gera nos homens algo pouco detectável nos outros animais: a insociabilidade aguda, o extremo egoísmo, a capacidade de fundamentar sua própria tolice."
ResponderExcluirPego pesado hein!
Mas, é isso mesmo... A crítica tem que ser pesada para com essa tradição que expropria do indivíduos humanos a sua sensibilidade, sua capacidade de sociabilização, de interação cultural, de reconhecimento do outro, seja esse outro um animal não-humano ou o outro, enquanto natureza. E nesse processo de expropriação a exaltação de uma parte da racionalidade (aquela que é capaz de justificar logicamente suas ações) se transforma na própria totalidade razão e como consequência o animal racional é colocado como superior, ou melhor, predador, dominador, controlador, usurpador...
Permita-me uma citação:
"Para uma tradição que tudo sacrifica em nome de uma racionalidade específica coletiva -animale rationale - tais indicativos não são sintomas de grande saúde; antes indicam que a racionalidade exercida provém de outras fontes do que aquelas sugeridas pelo otimismo cínico ou ingênuo - a saber, provém de um impulso original de totalização absoluta do Ser forte em sua solidão [...] E é devido a esse impulso, prototipicamente 'racional' [...] que os atuais impasses da humanidade tornaram-se globais: por um sistema econômico que suga toda a energia da humanidade e a transforma em seu próprio combustível; por uma visão de mundo que fatalmente afogará a terra e a vida com o lixo que produz em nome do progresso, caso seu exercício insano não seja detido"
- Ricardo Timm de Souza