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sábado, 21 de dezembro de 2013

Como é triste não poder ouvir o outro. Quão lamentável é a ironia do monólogo! Aquela ironia que passa por cima de tudo e todos, e que serve, em última instância, para alimentar o orgulho de si, a arrogância. Quando é que nós iremos nos colocar no lugar do outro? Não tenho mais ilusões quanto a isso, uma vida de pura afirmação de si é uma vida de orgulho e vaidade.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

A filosofia hoje

A filosofia hoje é estéril. Tão desnutrida quanto um choro abafado. O choro da dor: a dor de estar vivo. Dor esta que racionalidade nenhuma pode dar cabo. Viver ainda é perigoso e é uma pena que se tenha esquecido disso. A filosofia anda tão debilitada que este divã em que me sento - embora isto seja talvez só mais um desabafo irracional - parece ter mais valor do que o título de qualquer douto.

Arthur Falco de Lima

Essa filosofia hoje se arrasta na lama do passado. Vive de restos, como porcos humilhados. A filosofia hoje aquietou-se. Gritamos a nossos irmãos filósofos. Queremos negar a eles os títulos, os livros de todas as respostas, a saúde do que é tradicional. Queremos deixá-los doentes, loucos de insatisfação. Queremos arrancá-los da lama, alçá-los ao posto de gente peregrina, gente que não sabe, que não crê, mas que deseja, que busca. Queremos, enfim, fatiar o mundo. Mostrá-lo em postas sangrentas, as fibras ainda trêmulas, para que eles, nossos irmãos filósofos, abandonem o hábito de comê-lo sem lhe cheirar a morte. Sim, respondo a você, meu caro amigo. 

Enoque Marques Portes

Devemos dar vozes as nossas dores (também as tenho e acho que muitas outras pessoas as têm, abafadas infelizmente pela pretensão racional de abarcar tudo e todos em si mesma). Aquilo que a lógica do sistema chama de irracional, na tentativa de o desqualificar em proveito do projeto racional (desenvolvido na segmentação bur[r]ocrática, administrada, controlada) é tão importante quanto o racional (as razões são plurais e não se fecham na segmentação apresentada pelo sistema).
A dor da vida (coisa perigosa) expressa a percepção de que algo está errado ou desenvolvendo-se de maneira injusta. E essa dor já é, ela mesma, vida, razão que busca o além da clausura sistêmica e não se deixa, como não é possível, reduzir-se à lógica do presente sistema. Dor que é resistência, e se é resistência contra um sistema injusto ela possui muito mais valor do que qualquer outra coisa.


Aládio Bruno

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

"Desde que eu estou no mundo" - este desde me parece carregado de uma significação tão assustadora que ela se torna insustentável.

Cioran 

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Sub-verso: ascensão decadente

Oira-me toda essa luz sapiencial academ-ística.
tão profunda quanto inútil.
tão esquadrejada quanto o domínio sutil.

Oira-me essa luz.
Tão límpida e com raios tão radiosos
quanto o fulcro fétido de eflúvios pantanosos.

Como me alegro nessa ambiência tão sublime.
Aqui, livremente adaptado,
como um pássaro engaiolado.

Alço tremendos vôos insuflado por essa excelsa luminescência:
administrada, emburrecedora...
De poleiro em poleiro, na gaiola,
os vôos são sempre altivos
qual fabuloso flâneur constrito.

Já não mais oira-me.
Oiro-me como a própria luz.
Essa luz tão profunda...



Poema de Aládio Bruno

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Tese: A razão é um fato cultural. Assim como vários animais – os mamíferos, por exemplo – extrapolam o instinto de mera sobrevivência e promovem atividades culturais, o homem, por sua vez, ao extrapolar seus instintos inventou a razão. A razão, embora vários filósofos defendam o oposto, não é um órgão que tenha regras determinadas, muito menos regras determinadas a priori. Ela surge em última instância, da convivência social entre os homens, e tem, portanto, na cultura todo seu alicerce.

1ª consequência: Aqueles que julgam que a razão é um órgão com funções e regras determinadas se comportam como se a raça humana não fosse completamente animal. A razão, embora eles não o admitam abertamente, confere o aval para justificar qualquer coisa - isso Camus bem nos alertou -, e serve inclusive para justificar uma pretensa superioridade. Não somos meros animais. Somos animais racionais. Mas o que isso quer de fato dizer? A resposta parece ser sempre metafísica, que é, diga-se de passagem, mais um artifício racional.

1ª observação: A ironia disso tudo é que o animal humano criou um fato cultural que tomou historicamente a forma de razão, mas acha que o próprio fato cultural extrapola sua animalidade. O homem se torna assim, com a ajuda da razão, justificadamente superior aos outros animais. E o pior, não se torna culturalmente superior, mas sim ontologicamente superior. Mas o que é uma ontologia senão uma justificativa racional do mundo? O homem pensa que não é totalmente animal. E esse é o tribunal da razão: o pensamento, o juízo.

2ª consequência: Os partidários da razão fazem constantemente uma ciência que eles chamam de metafísica. Fazem metafísica da razão. Fazem crítica da razão. Alguns chegam ao absurdo de fazer crítica da razão pura, o que é obviamente um gênero mais “refinado” de metafísica. Quais os limites da razão pura? A lógica é regra necessária da razão? Estes são exemplos de suas preocupações. Estas são suas ilusões.

2ª observação: O que é essa faculdade, esse órgão, nomeado de razão? Essa pergunta nunca foi respondida satisfatoriamente, talvez porque tenha nela, a razão, a sua própria origem. A pergunta correta talvez fosse: quando surge a cultura da razão entre os homens?

3ª consequência: A razão, como já disse, é fruto do convívio social, é fruto da cultura. Porém, a crença cega na razão, gera nos homens algo pouco detectável nos outros animais: a insociabilidade aguda, o extremo egoísmo, a capacidade de fundamentar sua própria tolice.

3ª observação: Isso gera problemas angustiantes aos outros animais, humanos ou não, como a fome, a guerra, o sofrimento.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Há crimes de paixão e crimes de lógica. O código penal distingue um do outro, bastante comodamente, pela premeditação. Estamos na época da premeditação e do crime perfeito. Nossos criminosos não são mais aquelas crianças desarmadas que invocam a desculpa do amor. São, ao contrário, adultos, e seu álibi é irrefutável: a filosofia pode servir para tudo, até mesmo para transformar assassinos em juízes.

Heathcliff, em O morro dos ventos uivantes, seria capaz de matar a terra inteira para possuir Kathie, mas não teria a idéia de dizer que esse assassinato é racional ou justificado por um sistema. Ele o cometeria, aí termina toda a sua crença. Isso implica a força do amor e caráter. Sendo rara a força do amor, o crime continua excepcional, conservando desse modo o seu aspecto de transgressão. Mas a partir do momento em que, na falta do caráter, o homem corre para refugiar-se em uma doutrina, a partir do instante em que o crime é racionalizado, ele prolifera como a própria razão, assumindo todas as figuras do silogismo. Ele, que era solitário como o grito, ei-lo universal como a ciência. Ontem julgado, hoje faz a lei.

Camus

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Atualmente, o laboratório da ciência apresenta um retrato da economia contraditória. Esta é altamente monopolística e mundialmente desorganizada e caótica, mais rica do que nunca e, ainda assim, incapaz de remediar a miséria. Também na ciência surge uma dupla contradição. Em primeiro lugar, vale como princípio que cada um dos seus passos tem uma base de conhecimento, mas o passo mais importante, ou seja, a definição de sua tarefa, carece de fundamentação teórica e parece entregue à arbitrariedade. Em segundo lugar, a ciência é incapaz de compreender na sua vivência real a relação abrangente de que depende sua própria existência e a direção do seu trabalho, isto é, a sociedade.

Horkheimer

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Ser consistente é um contrassenso ao fato de sermos humanos. A consistência pertence ao mundo animal, à não consciência. A desgraça,então, consiste em um fato simples: nós, seres humanos, de fato não nos consideramos como animais. Queremos ser inconsistentes o tempo todo e a justificativa disso não é diferente de qualquer outra que bravejamos com orgulho: somos racionais,  somos donos razão! O que é essa faculdade, esse órgão, nomeado de razão? Essa pergunta nunca foi respondida satisfatoriamente, talvez porque tenha nela, a razão, a sua própria origem.

sábado, 9 de novembro de 2013

Ouço o trem. Ele se vai ao longe, não sei para onde. Um dia não haverá mais trem, não se falará mais disso, ninguém poderá escutá-lo não importa o lugar. Mas hoje - já é noite - ainda posso ouvi-lo. Estamos sós, eu e o som. Minha cadela, ao meu lado, que antes chorava, agora dorme. Ela odeia ficar só por muito tempo. Alguns minutos, e tudo bem, eu, ela, e o barulho do trem.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

O que é a antropologia?

Tim Ingold, um antropólogo inglês, tem uma bela definição: Anthropology is philosophy with the people in. A antropologia é filosofia que não deixa as pessoas de fora, que aborda os problemas tais como se colocam na realidade dos que os colocam e os vivem. A fórmula se aplica bem a Lévi-Strauss.Ele teve o mérito de não cortar o vínculo entre antropologia e filosofia – embora dissesse o contrário. Ele tomou suas distâncias em relação à filosofia, mas faz constantemente filosofia por intermédio da sua antropologia. Ele utiliza a antropologia como uma máquina de guerra contra a filosofia, o que é, afinal de contas, um projeto filosófico. Nele, o retorno às coisas mesmas não passa pela fenomenologia, mas pela etnologia. É preciso ir longe para voltar às coisas mesmas.

Eduardo Viveiros de Castro

A racionalidade ocidental escreve errado por linhas tortas.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Antes de tudo, é preciso escrever. É preciso anotar cada opinião, cada inutilidade, cada pensamento vão. A verdadeira expressão é aquela que insiste, que se repete, que não se acovarda. Sobretudo, prefira o papel à tela do computador. Digite tudo depois se quiser, mas antes escreva, por quê? Porque sim! Ou porque alguns hábitos não devem se apagar com o tempo.

sábado, 2 de novembro de 2013

As maiores dificuldades práticas dos homens e da humanidade:

1 - Admitir para si mesmo seus próprios erros.
2 - Aprender com seus próprios erros.
3 - Viver de forma coerente.
4 - Assumir a responsabilidade das suas próprias escolhas/atos.